A Prosa Poética de Han Kang, Vencedora do Nobel de Literatura de 2024
A literatura contemporânea global foi redefinida, e a Coreia do Sul celebra um marco histórico. Em uma decisão que ecoou por todo o mundo das letras, a Academia Sueca laureou a escritora Han Kang com o Prêmio Nobel de Literatura de 2024. A escolha, que a torna a primeira autora sul-coreana a receber a honraria, foi justificada por sua "intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana." Para além das honras, a premiação ilumina uma obra singular, que se move entre a delicadeza de uma flor de magnólia e a violência de uma ferida aberta.
ARTIGOS
Marcelo J. Marques

Nascida em 1970, na cidade de Gwangju (uma cidade da Coreia do Sul situada no sudoeste do país), Han Kang é filha do romancista Han Seung-won. Mudou-se para Seul aos nove anos de idade, vivendo a transição de um ambiente bucólico para a efervescência da capital. Essa dualidade entre o natural e o urbano, o belo e o brutal, é um dos pilares de sua escrita. Ela estudou literatura coreana na Universidade Yonsei e, em 1993, iniciou sua jornada literária publicando poemas na revista "Literatura e Sociedade". O primeiro romance, A Vegetariana, publicado em 2007, é a obra que a catapultou para a fama internacional.
Uma Obra que Sonda o Inexprimível
A escrita de Han Kang não se limita a contar histórias; ela disseca o que há de mais intrínseco e doloroso na experiência humana. Seus protagonistas, muitas vezes mulheres, são figuras que se rebelam contra convenções sociais, mergulhando em um universo de perturbação e autodescoberta. A seguir, algumas de suas obras mais notáveis, traduzidas para o português, que nos permitem adentrar seu universo:
A Vegetariana (2007): O romance que a tornou conhecida globalmente narra a história de uma mulher, Yeong-hye, que, após ter sonhos perturbadores, decide parar de comer carne. O ato, aparentemente simples, é uma rebelião radical contra o patriarcado e as normas de sua família, levando-a a um lento e perturbador processo de metamorfose, onde a busca pela pureza se choca com a brutalidade do mundo ao seu redor. A obra venceu o prestigiado Man Booker International Prize em 2016.
Atos Humanos (2014): Este é um dos livros mais impactantes de Kang, em que a autora se debruça sobre o massacre de Gwangju, um evento brutal de 1980 em que o governo ditatorial reprimiu um levante pró-democracia, resultando em milhares de mortos. A narrativa multifacetada, contada por diversas vozes, humaniza as vítimas e os sobreviventes, expondo a dor coletiva e a resiliência em meio ao horror. É um retrato profundo sobre a memória histórica e o luto.
O Livro Branco (2016): Uma meditação poética sobre a perda, a dor e a passagem do tempo. A obra é uma coleção de fragmentos e pensamentos da narradora, que se reconecta com a memória de sua irmã mais velha, que morreu recém-nascida. O branco é o tema central, presente em objetos cotidianos como sal, arroz e neve, simbolizando a pureza, o luto e a fragilidade da vida. Han Kang explora o espaço entre a vida e a morte, encontrando beleza na tristeza.
Em "Sem Despedidas" (2021), Han Kang nos leva a uma jornada emocionante e perturbadora sobre a memória e a dor. O livro narra a história de Gyeongha, uma mulher que perdeu a mãe na infância e agora vive em Seul. Ao lado de sua amiga Inseon, ela enfrenta a perda de sua melhor amiga, uma pintora, e o trauma de um levante popular que ocorreu na cidade de Jeju, na Coreia do Sul, entre 1947 e 1954, onde dezenas de milhares de pessoas foram mortas ou desaparecidas.
Ao explorar o evento histórico, a escritora não se prende apenas aos fatos; ela se aprofunda nos traumas emocionais e nas memórias que são passadas de geração em geração. A prosa de Han Kang é ao mesmo tempo delicada e incisiva, misturando realidade e ficção de uma forma que nos faz sentir a dor e a fragilidade dos personagens, mas também a sua resiliência. "Sem Despedidas" é um lembrete de que, mesmo quando a história tenta apagar as vidas e as tragédias, a memória continua a existir.
A escolha da Academia Sueca não apenas reconhece a maestria literária de Han Kang, mas também destaca a importância de vozes que, de forma sutil e corajosa, confrontam traumas coletivos e individuais. Sua prosa, rica em metáforas e sensibilidade, desafia o leitor a olhar para as feridas da história e da alma humana, encontrando nelas não apenas dor, mas a possibilidade de uma beleza assombrosa. O Nobel consagra uma autora que, ao descrever o particular, alcança o universal, mostrando que a verdadeira rebelião literária reside na capacidade de transformar o silêncio em arte.
Para mergulhar no universo literário de Han Kang é preciso ter coragem e sensibilidade. O estilo da autora, aclamado por críticos e agora pelo Prêmio Nobel de Literatura, é uma fusão poderosa de prosa lírica e profundidade psicológica. Suas obras não são apenas narrativas; são convites a uma introspecção sobre os dilemas mais complexos da existência humana, explorando temas como o luto, o trauma, a identidade e a violência com uma delicadeza assombrosa. Ao ler Han Kang, você se depara com personagens que, em sua vulnerabilidade, questionam as convenções sociais e a própria condição humana, desafiando-o a enxergar a beleza e a dor que se escondem nas sutilezas do cotidiano. Se você busca uma leitura que o faça refletir, sentir e expandir sua visão de mundo, as obras de Han Kang são um ponto de partida inesquecível.
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Marcelo Jordão Marques
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